Juliana Oliveira - Revisado por Maria Victória
26/05/2025 17h39 - Atualizado há 2 semanas
5 Min
A capa do livro 'Torto Arado' e a foto original, do italiano Giovanni Marrozzini (Foto: Reprodução/ Veja).
“Torto Arado” é um romance escrito por Itamar Vieira Junior, publicado em 2019, que conquistou críticos e leitores com sua narrativa poderosa e poética. O livro é uma homenagem à cultura popular do Nordeste brasileiro e uma reflexão profunda sobre a condição humana. Por meio de uma linguagem simbólica e sensível, o autor explora temas como memória, identidade e resistência.
A obra é dividida em três partes: O Fio de Corte, Torto Arado e Rio de Sangue. Ao longo do enredo, o autor mergulha no universo dos trabalhadores rurais descendentes de pessoas escravizadas, revelando as lutas e os desafios enfrentados por essa comunidade há gerações. Com uma narrativa densa e detalhada, Itamar expõe como o ado de escravidão e opressão ainda molda o presente dessas personagens.
A história se a no sertão baiano, na fictícia fazenda Água Negra, localizada na Chapada Diamantina. As protagonistas são duas irmãs, Bibiana e Belonísia, cujas vidas são acompanhadas desde a infância até a vida adulta.
Tudo começa com um incidente misterioso: ainda crianças, as irmãs encontram uma antiga faca de prata com cabo de marfim escondida em uma mala sob a cama da avó. Ao brincarem com o objeto, acabam se ferindo, e uma delas perde a língua. A partir desse momento, suas vidas tornam-se indissociáveis — a irmã muda a a se comunicar por meio da outra, criando uma conexão profunda e única entre elas.
Ao longo da narrativa, percebemos que a família das irmãs vive em uma situação de exploração extrema, similar à escravidão. Na fazenda, são privados de direitos básicos, como o o à terra, moradia digna e aos alimentos que eles próprios cultivam. A exploração é tão normalizada que muitos não a questionam, apesar da evidente injustiça. O latifúndio e o trabalho servil compõem o pano de fundo sombrio da trama, revelando as profundas desigualdades sociais e econômicas que marcam o Brasil rural.
As irmãs Belonísia e Bibiana
À medida que acompanhamos o ponto de vista de cada irmã, percebemos como elas constroem compreensões diferentes sobre o ado e as raízes familiares, especialmente após o acidente que as marcou para sempre. Bibiana segue o caminho dos estudos formais e busca se afirmar profissionalmente fora da comunidade, enquanto Belonísia, a irmã que perdeu a fala, permanece mais próxima da terra, do lar e dos ensinamentos do pai sobre a natureza. Ao longo da história, ela desenvolve uma relação espiritualizada com o mundo ao seu redor, representando uma ligação ancestral e simbólica com o território e com o povo.
É por meio de Belonísia que o leitor compreende de forma mais profunda a vida da família e os segredos que envolvem o pai das protagonistas. Ela representa aqueles que vivem sob restrições e privações, enfrentando a fome, as secas e as chuvas intensas que castigam a região. As irmãs, cada uma a seu modo, aprendem a compreender suas existências e suas formas de resistir.
As características do livro 'Torto Arado'
O título "Torto Arado" remete à imagem de uma terra arada de forma imperfeita, simbolizando a resistência e a luta pela preservação da identidade e da cultura de um povo. A terra, nesse contexto, é também um ser vivo, que deve ser cuidado e respeitado. Alguns dos principais temas abordados na obra são: a seca, a fome, a luta pela dignidade do trabalhador do campo, as relações familiares, a espiritualidade e as heranças culturais africanas.
Uma das estratégias narrativas de Itamar Vieira Junior é não revelar com exatidão o período em que os acontecimentos se am, o que confere ao enredo uma sensação de atemporalidade. Essa escolha permite que o romance dialogue com diversas épocas da história brasileira — adas e presentes.
Carreira Literária, Prêmio e reconhecimento
Itamar Vieira Junior iniciou sua carreira literária publicando contos e poemas em revistas e antologias. No entanto, foi com "Torto Arado" que ele alcançou destaque nacional e internacional. Sua escrita poética e simbólica cria uma atmosfera envolvente e intensa, o que lhe rendeu inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Jabuti.
A obra também foi selecionada para o Festival Literário de Paraty (FLIP) e para o Prêmio Oceanos, consolidando Itamar como uma das vozes mais potentes da literatura brasileira contemporânea.
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